Processo de aceitação – segunda parte

Acho que é legal, se você quer mesmo conhecer a história toda, ler a parte 1 desse relato “Processo de aceitação primeira parte”, onde eu explico como tudo começou a ficar ruim. E tem que ser assim, não é: primeiro a gente conta como estragou e depois como consertou. Vá lá…eu espero.

Pois bem, se você já foi lá já viu que tudo começou aos 11 anos. E terminou com dois anos de Tegretol, um anticonvulsionante poderoso, e muito medo. Lembro de ter ido a uma festa na garagem de um amiguinho, lá pelos meus 13 anos. Ele colocou uma luz estroboscópica, aquelas que piscam muito, um som alto com músicas de bailinho – típico do final dos anos 80 – e chamou eu e a minha irmã. Eu até fui, mas não consegui ficar naquela luz. Aquilo me lembrava a maneira como a convulsão começou e me dava medo, muito medo. Aliás, senti medo por muitos anos. Sempre esperando “ter aquilo” de novo. Era horrível.

Aos 13 eu entrei numa nova escola. E me lembro de ter conhecido a minha melhor amiga – aquela que hoje faz as minhas fotos – na fila de pesagem. Eles faziam uma fila enorme, cheia de crianças, e elegiam as puxa-sacos para cantar o peso pra outra, que ficava quase do outro lado da quadra anotando e definindo: essa e gorda, essa é magra. Aquilo era uma tortura. Chamavam de saúde, mas só servia pra piorar o bullying e reforçar o fato de que você não queria, mas precisava de mais aulas de educação física.

Aliás, a educação física pra mim sempre foi um suplício. Hoje eu vejo que o problema não era que eu não curtia fazer exercícios – eu gostava de algumas coisas e outras não, como qualquer criança – mas eu me sentia diferente. Era maior, mais desengonçada. Nunca era a escolhida dos times – a não ser do basquete, que eu odiava – e não sabia o que fazer com as outras crianças. Um dia, numa aula de abdominais, a minha camiseta do uniforme levantou durante a série. Um menino que estava por perto, pode ver o meu modelador, que eu usava por baixo da roupa já aos 13 anos e perguntou, perplexo, o que era aquilo. A minha amiga, Fabiana, disfarçou dizendo que era uma camisetinha, uma camisete como costumávamos falar, mas ele percebeu. Eu morri de vergonha, mas não poderia ir para a escola mostrando toda aquela “banha”. Eu precisava me conter. E só.

Falando em meninos – e pensando agora que o menino se posicionou ao meu lado justamente para ver se não apareceriam os meus peitos – eu sempre achava que ninguém me olhava. Quando um menino olhava pra mim e para a minha irmã, perto da minha mãe, ela sempre dizia que ele olhava para ela, que era a magra. Minha mãe sempre teve questões com a magreza. Ela sempre foi muito magra, se orgulhava de dizer que tinha 55 quilos quando se casou, mas engordou com a minha gestação e não perdeu mais. Na verdade, ela virou mulher – já que eu nasci quando ela tinha 20 anos – e não foi tudo culpa da gestação. Ela passou para os 65 – que manteve quase toda a vida até hoje – e achava um absurdo eu ter o peso dela com 14 anos.

Para mim os meninos não me olhavam, eu era feia e ponto final. E se olhassem e dissessem algo, possivelmente estavam zombando de mim. Essa má impressão cresceu comigo e permaneceu por muitos anos. Foram os mais difíceis. Eu beijei na boca porque, aos 11 anos  – antes de engordar – um menino do prédio me espremeu na casinha onde se guardavam as bicicletas e me roubou um. Mas para um beijo mesmo, consentido, eu demorei demais.

Passava sempre as férias na praia com a minha família. Um dia, uma agência de modelos resolveu fazer um evento. Tinham desfiles todas as noites e as mais bonitas eram escolhidas para procurar a ageência em São Paulo. Nem sei se era sério mesmo, mas com 14 anos tudo o que você quer é ser suficientemente bonita, pelo menos pra poder ir na triagem.

Lembro que, passeando à tarde pelo shopping onde esse evento acontecia, um menino bonitinho, loiro de olhos azuis, me abordou. Eles pediam para os meninos escolherem as meninas que eles achassem bonitas. Ele me perguntou se eu não queria desfilar a noite. Eu peguei o papel, rasguei na frente dele e pedi que ele parasse de zuar comigo. “Eu?” falei com ares de superioridade. “Acha que eu sou idiota”. Mesmo tendo feito isso, fiquei com a pulga atrás da orelha. Será que ele estava falando sério? Não era a primeira vez que alguém de uma agência me chamava para essa coisas, será que eu  não estava vendo as coisas direito? Decidi que perguntaria para a minha mãe, naquele mesmo dia. Ensaiei, ensaiei e perguntei “Mãe, eu sou bonita?”. Ela me olhou de cima a baixo, como quem quer dizer uma verdade mas sabe que vai machucar. “É, você é até bonita. É uma gorda bonita”.

Sério, tenho essa frase tatuada na minha alma. Naquele tempo, chamar alguém de gordo – sim eu sei que ainda tem isso hoje em dia – era uma daquelas ofensas de doer mesmo. Se você quisesse acabar com alguém chamasse de gorda. Aquilo acabou comigo e me fez “ver a verdade”. Eu era mesmo feia. Porque era gorda.

E vou parar por aqui hoje, mas ainda tenho muita, muita história para contar. Escrever isso aqui é como um expurgo, estou tirando essas coisas de dentro de mim mesma de uma maneira muito forte. Aguardem as cenas do próximos capítulos…

 

Continua

 

 

Publicado por Andrea Pavlo

Psicoterapeuta, taróloga e numeróloga. Ajudo mulheres a se amarem e alcançarem uma vida de deusa.

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